BRUSQUE
07h15min
Quando chegou á Brusque, não via muita diferença do que
conhecia antes. As ruas estavam cheias de prédios e casas sujas com a poeira,
que faziam daquilo um lugar aterrador. Mais longe via uma grande fila á frente
de uma fábrica. Na entrada, uma grande placa escrita “VAGAS ABERTAS”. Onde uma
multidão se aglomerava na porta, empurrando-se para entrar no estabelecimento.
Não ia ter esse problema pensou, havia ganhado um documento do governo, que o
proviria um emprego, e um lugar onde descansar a noite.
Estava à procura do posto, que o encarregaria á fabrica onde
ia trabalhar. Resolveu antes de tudo,
tomar um café para descansar da viagem exaustiva de navio. Lembrou-se da
lanchonete que frequentava antes de ir à guerra, que ficava a duas quadras
dali, teria que caminhar só um pouco, e não havia muito problema nisso.
Conseguiu ver a lanchonete e caminhou com uma mão no bolso e
outra na bengala, fazia frio e por isso usava um, sobretudo preto, junto com um
chapéu Panamá escuro. O lugar era aconchegante, mas com poucas mesas
disponíveis. Em uma das mesas estava sentados um grupo de seminaristas que o
olhava com certa amargura. O ambiente trazia certa calma, e ao lado do balcão
onde havia um garçom, estava um radio que tocava alguma coisa que ele nunca
ouvirá antes.
Sentou-se, e o garçom
vestido de branco, com uma gravata vermelha o olhou e veio ao seu encontro.
-Venho da Itália,
quero beber qualquer coisa, que não seja amarga. - Disse Hamilton
-Entendo, é um desertor? – Respondeu o garçom com um tom de
desconsideração
Hamilton Levantou a perna esquerda, e mostrou um grande
ferimento, que o impossibilitará de andar sem ajuda de uma bengala. O garçom
arregalou os olhos, calou-se e voltou ao bar.
Enquanto esperava a bebida, dois homens vestidos ambos de
terno cinza entraram juntos na lanchonete, sentaram-se em um canto da
lanchonete, acenderam o cigarro e ficaram observando Hamilton.
Alguns pensamentos surgiram, juntos com duvidas frequentes, do
ferimento de sua perna, e se pelo menos alguma vez na vida ia voltar a andar
sem utilizar uma bengala. Sua mente logo se aquietou quando lembrou que havia
ganhado um documento que lhe provaria emprego em uma fábrica chamada Germain, e
que tinha um amigo que era medico que morava em Itajaí, e com certeza iria
visita-lo, após se estabilizar financeiramente.
-Sua bebida senhor, - Disse o garçom, rindo, e derrubando
sua bengala no chão.
Hamilton ficou vermelho, e em um tom de raiva, inclinou-se
sobre a mesa. Antes de fazer alguma coisa, o garçom ajuntou sua bengala, e um
tom risonho proferiu.
-Talvez aqueles generais, tenham mesmo mexido com sua
cabeça, não é capaz de lembrar de um dos seus melhores amigos?
Não havia duvida,
aquele era Edgar, ambos se conheceram no colegial e haviam se alistado juntos, em
um tom descontraído respondeu.
-Maldito sacana, você sabe como andei ocupado esses dias,
como já expliquei voltei hoje de viagem. Penso em visitar Paulo, em Itajaí, para
uma consulta, quando tiver acertado alguns problemas financeiros.
Queria conversar mais com Edgar, mas os dois homens de terno
cinza, o haviam chamado e teve que se retirar para anotar seus pedidos.
Hamilton pegou o copo
e colocou-o sobre a mesa, enquanto desfrutava de sua bebida, pensava nos
momentos antecedentes, que haviam ocorrido. O som do tiro ainda ecoava em sua
mente, e no estranho símbolo que estava ao lado do tanque, um escudo vermelho e
uma cruz branca. Pensava a si mesmo da falta de roupas para o frio que os
militares não tinham no front, e no que poderia fazer para reverter essa
situação.
BRUSQUE
9h00min
Levantou-se e saiu da
lanchonete, olhou o papel do seu bolso escrito Indústria e Comércio de
Confecções Germain. Voltou ao olhar a rua e reparou em um pequeno beco onde
dois homens fumavam ambos de terno, olhando-o fixamente, eram os mesmos que
estavam no bar há alguns minutos atrás, resolveu não dar importância, e
continuar sua caminhada.
Hamilton conseguia ver a fábrica no outro lado da rua. Ela
possuía uma grande Placa escrita Fabrica Germain, que batia com o nome que
havia no bilhete, e no seu lado havia uma grande casa, que conhecia de
infância, a chamavam de Vila Germain, talvez ali morassem os proprietários da
fábrica, pensou, e atravessou a rua, andando até a gigante fabrica.
Ao chegar lá, não havia visto quase ninguém dentro do
estabelecimento, via apenas uma grande mesa negra, onde uma mulher com óculos, e
cabelos loiros, estava sentada com uma grande quantidade de folhas. Tirando o documento
do bolso, aproximou-se e proferiu as seguintes palavras.
-Bom dia, venho atrás de informações, e de emprego.
A secretaria parou de contar os papeis e virou-se á Hamilton.
Antes de Hamilton finalizar sua frase a secretaria o interrompeu e em um tom
grosso, expressou.
-As vagas acabaram não vê a grande crise que ataca o país?
-Sou militar venho da Itália, lutei e fui ferido. - Colocou
a bengala ao lado de sua perna. -Mas posso trabalhar com as mãos ainda, tenho
experiência com documentos.
Hamilton em um tom rude recolheu o papel da mesa e jogou-o
para mais perto do olhar da moça. A secretaria ajuntou a folha, abriu as
gavetas, e puxou uma grande quantidade de pastas e documentos, olhou uma por
uma, por cerca de minutos, checou a folha de Hamilton e puxou uma enorme lista.
A lista continha o nome de funcionários que ganhariam o emprego, e moradia do
governo, a funcionaria passou o olho pela folha e encontrou o nome de Hamilton.
-Aqui diz que você, tem uma vaga de trabalho no gabinete do
Senhor Ivo Germain, junto com um apartamento ao lado do Clube de Caça e tiro Araújo
Brusque, leve esse documento junto no primeiro dia de trabalho que vou lhe
entregar, e de ao porteiro, cuidara de cartas e documentos pessoas do Senhor
Germain, posso te garantir emprego somente ate o fim da guerra, depois
dependera do seu esforço. Pode comparecer amanhã, receberá o uniforme, e as
instruções, se dará bem com o Senhor Germain, mas devo-te dizer que sua mulher
é muito exigente, e é ela que cuida da parte administrativa da fábrica.
-Sei seguir ordens muito bem, fui do exercito esqueceu? -Hamilton
Virou-se, e saiu da fabrica, com certo tom de felicidade em seu rosto.
BRUSQUE
– APARTAMENTO DE HAMILTON
O apartamento era
grotesco corroído pelo tempo, parecia menor que a cabine do navio, continha
apenas uma sala que se juntava com o quarto. Na sala, se via apenas uma mesa
com uma cadeira, uma pia, e um armário, e no quarto uma cama com uma
escrivaninha do lado. O apartamento tinha uma pintura totalmente cinza, que
dava tal melancolia ao lugar, colocou a cabeça no travesseiro suspirou, e
dormiu.
BRUSQUE
FÁBRICA DO SENHOR GERMAIN, 12 DIAS APÓS A ENTRADA DE HAMILTON.
Seus dias no apartamento e na fabrica passavam todos iguais,
toda vez se sentava na escrivaninha, e lia as noticias da semana que só falavam
da guerra, quanto tinha tempo livre ia conversar com Edgar, e logo voltava e dormia
levantava e comia, e ai trabalhar.
Ivo Germain, seu chefe, era gentil, e todo dia o cumprimentava,
vestindo um terno preto que no bolso continha um lenço azul, que deixava a
mostra. Andava sempre acompanhado de sua mulher Leticia Germain, que tinha uma
pele branca tão como a neve, e seus cabelos negros se misturam com um vestido
vermelho com um lenço preto no pescoço, carregava sempre um olhar de melancolia
e ansiedade. Hamilton estava certo Ambos
moravam na Vila Germain, pois ele era sempre o ultimo a sair da fabrica, via
quando o casal descia as escadas laterais da fabrica e ia para casa.
Era uma grande casa,
de dois andares, havia um grande hall de entrada no primeiro andar, e no
segundo havia duas grandes portas, que davam ao quarto do casal, eram pintadas
de creme, com uma grade de florais, duas grandes palmeiras estavam do lado
direito, há muito tempo se contavam historias de terrores supersticiosos
daquele lugar.
Dentro do seu
escritório conseguia ver todo o trabalho manual que ocorria na fabrica, os
teares que faziam barulhosos estrondosos o lembravam do ataque que sofrerá
durante a guerra. Aquela era uma sala aconchegante, sentava-se confortavelmente
no sofá vermelho, e bebia café o quando quisesse.
Como toda manhã a
fabrica ficava alguns minutos silenciosa, sem barulho nenhum, e logo depois
toda produção começava novamente. Abriu a gaveta para ver os documentos do dia,
e colocou a bengala ao lado da mesa. Puxou os documentos e começou o trabalho,
tudo estava calmo naquele dia, a única coisa que o incomodava era os teares,
que faziam sons como uma marcha de soldados, e dificultavam sua concentração. Puxou
o primeiro documento da gaveta, era uma ordem vinda de Brasília, sobre o envio
de roupas para o frio enviado em caixotes na Europa. , Hamilton achou aquilo
muito estranho, o governo havia sim enviado roupas para os soldados brasileiros
que estavam na Europa, mas seu regimento não havia recebido nenhuma, achou
melhor analisar o documento, o levou mais perto dos seus olhos, analisou cada
texto, cada assinatura, e para sua surpresa tudo era verídico continha até
mesmo à assinatura do presidente Vargas, e todos os ministros. Deixou a carta
de lado e voltou ao trabalho.
Faltava uma hora
para o fechamento da fábrica, e os teares se silenciaram. Preocupado Hamilton
olhou pela janela, mas não via ninguém, havia ficado sozinho na fabrica, e não
se via uma alma viva lá em baixo, rapidamente dois policiais correndo entraram
pela porta principal e subiram as escadas laterais, entraram na Vila Germain,
foram ao quarto do casal e abriram à porta. Todos os funcionários estavam lá se
exprimindo para ver a cena. Hamilton fez o mesmo trajeto que os policias e
chegou onde a multidão se aglomerava, lutando pelo mar de gente subiu as
escadas com dificuldade, que levavam ao segundo andar, seu corpo gelou por um
momento e ficou horrorizado com a cena que virá no quarto.
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